Eles podem sofrer?
A questão, dizia Jeremy Bentham, filósofo, jurista e famoso ativista dos direitos humanos e dos animais, “não é a de saber se o animal pode pensar, raciocinar ou falar”, etc., como questionaram Aristóteles, Descartes, Heidegger, Levinas. A questão, perguntava ele simplesmente: Eles podem sofrer? (“Can they suffer?”). Parece que não suportamos considerar como semelhantes os animais. As relações dos viventes humanos com os viventes não humanos é violenta e deve mudar. A diferença da linguagem não justifica o desrespeito e a maldade para com eles.
Segundo o filósofo argelino Jacques Derrida, a partir desta questão a palavra “poder” toma um significado particular. Poder sofrer não é mais um poder, é uma possibilidade sem poder, uma possibilidade impossível. Aí reside, segundo Derrida, a maneira mais radical de pensar a finitude que compartilhamos com os animais, a mortalidade que pertence a finitude propriamente dita da vida, à experiência da compaixão, à possibilidade de compartilhar desse não poder, a possibilidade dessa impossibilidade, a angústia dessa vulnerabilidade e a vulnerabilidade dessa angústia.
A perspectiva da morte faz com que a fronteira entre homens e animais desapareça, pois diante da morte somos como que empurrados de volta à nossa condição animal e aí só nos resta o silêncio.
Sim, eles sofrem como nós que sofremos por eles e com eles. Ter consciência de que um animal sofre, tem dor, e, segundo pesquisa publicada no Jornal Zero Hora de 23/10/2006 são portadores de outros sentimentos como culpa vergonha... e outros que eram atribuídos apenas aos homens e chimpanzés. Nada que os que os amam e respeitam já não soubessem, mas pesquisas científicas dão legitimidade às nossas idéias. Isto não é suficiente para que tenhamos piedade, compaixão?
Quem já se viu diante do olhar de um animal que sofre? Se conseguiu seguir adiante sem o menor sentimento de compaixão...
A compaixão, que é o compartilhar do sofrimento entre os viventes vem junto com a ética, a política, o direito. O direito dos animais, o respeito à vida dos animais, a política de responsabilidade para com os animais; a ética está implícita em todos. É preciso reavaliar nossa responsabilidade ética diante deles, ficar atento de um lado para a pluralidade dos animais e do outro, para a dimensão animal que há em todos nós.
Até quando ignoraremos nossa responsabilidade histórica para com eles? A não ser o fato de uma minoria se preocupar, passa-se indiferente ao sofrimento deles. Não se pode esquecer jamais que a indiferença levou ao aniquilamento de várias espécies, um povo foi jogado em fornos crematórios e câmaras de gás. A indiferença à dor leva a crueldade entre aqueles que violam não apenas a vida animal, mas toda espécie de vida.
O animal pode ser privado de uma linguagem (para muitos), mas não está livre de sentir dor.
Os animais me olham. E parece-me querer dizer: DIGA AOS OUTROS QUE SOFRO!
* Jeremy Bentham -1748/1832- Inglaterra- (teoria ética que responde todas as questões acerca do que fazer, do que admirar e de como viver, em termos da maximização da utilidade e da felicidade).
*Jacques Derrida- (El Biar, Argélia, 15 de julho de 1930- Paris, 8 de outubro de 2004) A desconstrução, conceito elaborado por Derrida, ou seja, uma maneira de ler e pensar cujo paradigma é a pluralidade irredutível de interpretações.
Maria de Lourdes Secorun Inácio
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