Cuidado com os fogos de Artifícios

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Cãotinho Literário

Matar pode, salvar não

Maria de Lourdes Secorun Inácio

Associação Amigo Bicho


Fiquei procurando fundamentação para os argumentos que deveria usar para justificar o título. Pesquisei filósofos, juristas, neurocientistas, até poetas. Poetas sim, porque não? São sensíveis ao sofrimento de forma mais intensa que pessoas comuns.

Ao que fui cair em Max Weber, sociólogo.

Segundo Weber a burocracia é utilizada pelo Estado para imobilizar o cidadão, assim ele não consegue resolver os problemas que se lhe apresentam. Esta é a forma que o Estado tem para controlar as pessoas.

Basta dizer que é lei.

Os processos, os encaminhamentos impedem-nos de realizar ou dizer qualquer informação importante e, portanto, ficamos sem ação e sem ter a quem recorrer porque nos perdemos na hierarquia e caos da burocracia.

Para se ter um bom exemplo de domínio burocrata recomendo a leitura de “O Processo” de Kafka.

Quem já teve a experiência de defrontar-se com um burocrata sabe que as vezes se torna um confronto. Um burocrata típico, desses que nos faz temer e acreditar que não há solução plausível para um país governado por eles.

Decorar leis e recitá-las, como diz meu filho, qualquer um que saiba ler pode fazê-lo. Mas aplicá-las com bom senso é um problema sério. Imbuir-se de poderes delegados por um cargo e colocar-se acima do bom senso é extremamente irritante, ainda mais quando se necessita de soluções para problemas emergenciais.

Aí entra o Tarcisio. Se tivéssemos deixado o tatu entregue a própria sorte não teríamos problemas burocráticos. Se fechássemos os olhos diante do sofrimento de um ser vivo, muito bem - ele estaria cumprindo o papel que a natureza lhe destinou. Mas ao contrário, nosso primeiro impulso é salvar vidas, mesmo que isso implique retirar animais de seu meio ambiente.

Agora sei: a vida tem donos que decidem se o animal deve viver ou morrer. Perante os senhores da vida o que se constata é que devíamos tê-lo deixado morrer.

A matança sanguinária e cruel que não conseguimos impedir já nos frustra muito. Deixar morrer a mingua um animal ferido que cai em nossas mãos é contra nossos princípios.

Princípios humanitários, não burocráticos.

A vida é frágil devemos então dar mais importância a ela e trabalhar para que seja a melhor possível. Não só a vida humana, mas a vida enquanto espécie animal.

Por esta razão burocratas não devem decidir tema complexo como a vida simplesmente recitando um regulamento “que deve ser aplicado a todos igualmente”.

Tentei me lembrar em que momento o termo “legalista” veio à tona, tenho certeza que não foi dito por mim, deve ser algo que acompanha burocratas. Nem sempre a gente se dá conta do “ato falho” que comete.

Não se pode abandonar as leis, mas a sujeição a uma norma pré-fabricada gera uma postura inflexível. A lei deve ser aplicada norteada pelo critério da justiça. Visualizar a lei como garantia, segurança e certeza absolutas fere o sentimento das pessoas e da sociedade. Ferir é fácil, cicatrizar às vezes é impossível.

Frequentemente os defensores de animais são acusados de serem pessoas particularmente emotivas, sentimentais.

Pergunto: não haveria algo psicologicamente errado com aquele que nada sente? A falta de sentimentos sim revelaria uma falha pessoal. A presença de sentimentos, a emotividade gera uma sensibilidade moral às injustiças.

Busquei fundamentos filosóficos como citado no início porque acredito e defendo a ética do cuidado, da responsabilidade.

Segundo Naconecy “Grande parte da vida ética tem uma dimensão emocional, e não apenas racional. O fenômeno moral envolve sentimentos além da cognição. A noção de justiça nesta perspectiva é considerada como muito estreita e mesmo insuficiente...”

Dentro da perspectiva da ética do cuidado a experiência pessoal da emoção não implicaria na exclusão da razão.

Creio que discorrer sobre ética não era meu intuito inicial, mas fica a sugestão de leitura do autor citado que trata de forma clara sobre a ética e animais.

A razão de ter recorrido a este recurso foi apenas para lembrar que os defensores de animais não são pessoas desinformadas, alienadas, que procuram dar um sentido a vida. Nossa vida tem sentido e dentro dela está incluído o respeito aos animais na mesma proporção que aos humanos.

Finalizo dizendo a quem se dispôs a ler até o fim: não deixem de salvar a vida de um animal, seja doméstico, seja silvestre ou de qualquer outra espécie.

A vida tem um significado muito especial. Nossa empatia com o sofrimento dos animais está acima de qualquer julgamento e mesmo que não estejamos agindo de forma legal, estamos dando chance de vida a um ser em sofrimento, que necessita de cuidados, de dedicação, carinho e muito amor. E o legal nem sempre é o moralmente correto.

Amigo Bicho não escolhe o bicho que vai cuidar!

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"Não comer carne significa muito mais para mim que uma simples defesa do meu organismo; é um gesto simbólico da minha vontade de viver em harmonia com a natureza. O homem precisa de um novo tipo de relação com a natureza, uma relação que seja de integração em vez de domínio, uma relação de pertencer a ela em vez de possuí-la. Não comer carne simboliza respeito à vida universal." Pierre Weil
"A questão não é a de saber se o animal pode pensar, raciocinar ou falar... a questão é: Eles podem sofrer?” Jeremy Bentham
 
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