sábado, 6 de dezembro de 2008Entrevista: "Sempre tem um humano causador do abandono do animal"Por Fabíola Hauch e João Vicente Kurtz Os tempos atuais vivem um período de crescente, embora lenta, conscientização ambiental. Mais e mais pessoas se voltam a essa causa, fazendo sua parte para a criação de um mundo que se desenvolva de forma sustentável. A ONG Amigo Bicho, por exemplo, escolheu como frente de batalha lutar em prol da criação e aplicação das leis de proteção aos animais em Passo Fundo. Em menos de dois anos, a entidade afirma ter ajudado em torno de 380 animais. Mas se engana quem pensa que a cidade é o único foco de atuação do grupo: o desastre climático em Santa Catarina mostrou o potencial de mobilização do Amigo Bicho na arrecadação e envio de doações. Entrevistamos o Amigo Bicho por e-mail, pois segundo a vice-presidente Diane Tauffer, sempre a possibilidade de ser "mal interpretada". As perguntas foram respondidas por ela e pela presidente Maria de Lourdes Secorun Inácio.
1) O Projeto Amigo Bicho surgiu quando um grupo de pessoas preocupadas com o descaso das autoridades municipais resolveu se unir e trabalhar para que as leis de proteção aos animais fossem cumpridas em nossa cidade. Que descaso é esse? Com um ano de funcionamento, quais as mudanças alcançadas pelo projeto? O descaso se dá quando leis federais, estaduais e municipais não são cumpridas. Como, por exemplo, a Lei Federal 9.605/98 que dispõe sobre crimes ambientais, que diz: ".....Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Poucas pessoas têm conhecimento destas leis. Nosso intuito é divulgá-las para que todos possam cobrar a efetivação das mesmas. Se recorrermos às legislações Federais, Estaduais e Municipais teremos fundamentação legal nestas e em outras inúmeras leis para exigirmos que os animais e o meio ambiente sejam respeitados e preservados. Em Passo Fundo há um convênio entre prefeitura e CAPA para que a entidade recolha, abrigue, castre e atenda denúncias de maus tratos. Fato que poucos tem conhecimento, mas tendo em vista o grande número de animais abandonados a entidade não tem conseguido atender a contento os serviços a que se propôs. O Amigo Bicho surgiu justamente para levar a população à reflexão sobre as leis existentes, se o cumprimento das mesmas está sendo realizado a contento e também para se fazer presente em campanhas educacionais e de esclarecimentos sobre o direito dos animais. Em um ano de funcionamento, conseguimos mobilizar a população para que cobre dos órgãos competentes a responsabilidade que lhes é devida. Conseguimos através de campanhas via e-mails, blog e material impresso divulgar para a população quais os caminhos seguir para denunciar maus tratos, abandono, negligência. Também participamos de reuniões com a promotoria pública para tratar da questão dos animais de rua, programas de televisão, rádio, jornal e revistas, além de termos nesse período conseguido castrar e doar 280 animais entre cães e gatos. Nossa maior conquista tem sido a conscientização das pessoas, que já despertaram a consciência para o compromisso do humano com outras espécies e têm colaborado nas campanhas para castração e doação de animais abandonados. 2) Em termos ambientais, quais os maiores problemas de Passo Fundo? As autoridades responsáveis pela proteção dos animais cumprem seu papel quando solicitadas? Não temos condições de responder sobre questão tão genérica. Mas sugerimos que sobre a questão ambiental o grupo Guardiões da vida ou o GESP, que têm feito um sério trabalho de conscientização sobre os problemas ambientais de Passo fundo e região são mais capacitados para responder. Somos parceiros e trabalhamos unidos mas enfocamos nosso trabalho sobre a questão dos animais de rua. Cada um exercendo com competência o trabalho ao qual se dedicou formaremos um grande elo de proteção animal e ambiental. Sobre a questão das autoridades cumprirem seus papéis é necessário primeiro que se esclareça que papel cabe a que autoridade. Da forma colocada fica muito genérico e tratamos de questões específicas. À Secretaria do Meio Ambiente, por exemplo, cabe o papel de atender denúncias de maus tratos, isto é uma de suas funções. Nossa cobrança e dialogo tem melhorado muito o desempenho da secretaria, apesar de ainda deixar a desejar. 3) Vocês fazem questão de frisar que cada voluntário é responsável pelos animais que encontra. Quais as maiores dificuldades no tratamento dos animais? Sim, cada voluntário é responsável pelo animal que encontra. O Amigo Bicho não possui abrigo. Lembrando: somos contra abrigos porque essa é uma forma de deseducar a população que acaba vendo no abrigo a solução para o animal que não quer mais ou o animal que está doente, velho, etc. Trabalhamos com o intuito de despertar a consciência e a responsabilidade de cada ser humano. O voluntário recolhe, abriga, ajudamos na alimentação e medicação se necessário, intermediamos a castração e auxiliamos na doação. Trabalhando desta forma todos são responsáveis e se comprometem com a vida e o destino do animal que encontrou. Queremos que cada voluntário do Amigo Bicho seja parte da solução do problema e não que traga apenas o problema. Todo trabalho realizado com o comprometimento dos voluntários dá certo e lutamos para que cada dia mais pessoas façam parte dessa corrente de solidariedade para com os animais. As dificuldades nos tratamentos dos animais doentes são financeiras. Não dispomos de recursos, pois não recebemos verba pública. O Amigo Bicho sobrevive graças às doações dos voluntários e simpatizantes, às campanhas de arrecadação de alimentos, medicamentos, rifas, vendas de camisetas e eventualmente atividades festivas. Sem recursos financeiros, é quase impossível trabalhar. Digo quase porque apesar de não contarmos com uma quantia fixa realizamos inúmeros atendimentos. Outro problema grave também é onde colocar o animal quando convalescente. Nem sempre nossos voluntários dispõem de espaço para abrigar um animal doente. 4) No início do projeto, vocês já deviam ter noção de que estariam envolvidos com cães e gatos. Entretanto, na metade do ano, vocês acabaram cuidando também de um tatu. Como foi essa experiência? No início do projeto não tínhamos apenas a noção, tínhamos certeza que, mesmo tendo um projeto de educação, posse responsável, castração, seria inevitável nos envolvermos com animais de qualquer espécie. Nosso amor aos animais não é direcionado a este ou aquele – Amigo Bicho não escolhe o animal que vai cuidar, apenas o faz com amor e dedicação. A experiência com o tatu foi igual a de tantos outros animais que diariamente nos ocupamos. O diferencial foi a repercussão causada na imprensa. Apenas isso. Assim como alimentamos com mamadeira cães e gatos abandonados, o fizemos com o tatu, com oito gambás que estavam presos à bolsa da mãe morta, outros cinco salvos com sucesso, e libertos em área de proteção com auxílio do grupo ecológico e de biólogos. 5) O Amigo Bicho realizou uma assembléia, na época das eleições, para escolher oficialmente que candidato apoiar. Como foi essa mobilização e que resultados ela trouxe? Com o final do período eleitoral, quais as expectativas para o próximo mandato? Na primeira pergunta você mencionou "quais as mudanças alcançadas pelo projeto?": essa foi uma mudança significativa. Foi um fato inédito em Passo Fundo, porque inúmeras outras cidades já tem representante de grupos de defesa ambiental e animal. Conseguimos, em pouco tempo de mobilização, um número expressivo de votos ao candidato escolhido por consenso entre os grupos de proteção animal e ambiental. Isto foi uma grande conquista e temos certeza que mudamos a forma de olhar de inúmeras pessoas que nos viam apenas como "algumas pessoas que cuidam de bichinhos". O grupo de proteção animal e ambiental é o que mais cresce no mundo todo e junto com ele cresce a nossa força representativa. Não traçamos metas para o próximo mandato. Nos enfocamos em questões mais próximas e urgentes. Mas com certeza nossa união trará resultados benéficos a causa. Lembrando que essa causa não é apenas nossa: é de todos. 6) Outra grande mobilização foi para a prestação de auxílio no desastre de Santa Catarina. A ação do Amigo Bicho foi parar na Zero Hora e, de lá, se espalhou por vários blogs, repercutindo na internet. Vocês esperavam essa visibilidade? Ela ajudou em algo? A mobilização para ajudar os animais flagelados de Santa Catarina não visou repercussão, isso decorreu de forma natural. Nossa sensibilidade para com o sofrimento dos animais não visa manchetes e sim a ajuda. Mas foi positiva porque mostrou, como citado anteriormente, que a conscientização das pessoas em relação a causa animal está crescendo. A sensibilização das pessoas foi motivo de satisfação porque tivemos provas de que não lutamos sozinhos, estamos cercados de pessoas que vêm nos animais não apenas o inferior, mas o diferente. Aquele que sente fome, frio, dor, medo, tristeza da mesma forma que os humanos mas que são diferentes e por isso merece nosso respeito, atenção, dedicação e principalmente que somos responsáveis por seu bem estar. 7) Ainda sobre a questão de Santa Catarina, já é difícil para as autoridades resgatarem pessoas. Quais outros problemas se agregam quando lidamos com animais? Não colocamos a questão neste patamar. Dificuldades se apresentam como um todo. Pensamos que o direito à vida é igual para todos. Todos somos criaturas com direito à vida. Como citado anteriormente, não vemos superior/inferior e sim diferentes. Mas diferentes com um mesmo dom – a vida. Temos inúmeros relatos de pessoas que se recusaram a ser salvas caso seus animais não fossem junto. E a solução surgiu. Algumas pessoas ainda colocam prioridade sobre a vida, para nós a vida de qualquer espécie é importante e merece o mesmo respeito. O maior problema é mudança: mudança de comportamento, de atitudes, enfim. Vemos como uma questão cultural que será mudada gradativamente, através da educação. Apenas através de campanhas educacionais, projetos elaborados em conjunto com poder público, secretária da cultura, da saúde, do meio ambiente, médicos veterinários e defensores de animais e meio ambiente poderão ocasionar formas de pensar diferente da atual. Quando o homem se conscientizar que respeitando qualquer forma de vida ele estará construindo um mundo mais humano estaremos no caminho para um mundo melhor. Distante, mas possível. 8) Quais fatores justificam a presença tão grande de animais abandonados na cidade? Na maioria dos casos os animais foram abandonados por seus donos ou têm donos, mas têm liberdade para perambular livremente. Esses cães desassistidos (sic) se reproduzem, gerando filhotes indesejados que seguem o ciclo. As causas do abandono são: animal velho ou doente, viagem de férias, filhote que tem comportamento considerado indesejável, o animal defeca em lugares indesejados, separação do casal, morte de um dos cônjuges ou crias indesejáveis. Mas devemos lembrar que sempre tem um humano causador do abandono do animal. Também podemos ressaltar que caso houvesse políticas públicas para controle populacional esse problema seria controlável, assim como já está acontecendo em inúmeras cidades, como Taboão da Serra, que foi a pioneira a implantar o sistema de controle populacional através de campanhas de castração e educação. Cidades como Santa Maria e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, já seguem esse exemplo, assim como inúmeras outras cidades do Brasil. Por que não implantar em Passo Fundo aquilo que está dando certo em outros lugares? Vamos lutar para que isso aconteça. 9) Vocês defendem a castração como forma de evitar a proliferação de animais, porém os preços desta prática são altos. Existe algum projeto em andamento para tornar isso um serviço obrigatório e gratuito? Existem negociações em andamento. 10) Recentemente, o CAPA e o Amigo Bicho ajudaram na captura de um homem que vendia vacinas falsas. Como isto ocorreu? Qual a pena cabível para esse tipo de prática? Ela é justa? Eram falsários e devem responder por crimes como falsidade ideológica... Justa? Não entendi. Crimes devem ser passiveis de punição. E os atos desses indivíduos ocasionaram mortes em animais de estimação. Pessoas foram ludibriadas. É justo? |
sábado, 19 de dezembro de 2009
Entrevista: Sempre tem um humano causador do abandono do animal
Marcadores:
Notícias
Assinar:
Postar comentários (Atom)
"Não comer carne significa muito mais para mim que uma simples defesa do meu organismo; é um gesto simbólico da minha vontade de viver em harmonia com a natureza. O homem precisa de um novo tipo de relação com a natureza, uma relação que seja de integração em vez de domínio, uma relação de pertencer a ela em vez de possuí-la. Não comer carne simboliza respeito à vida universal." Pierre Weil
"A questão não é a de saber se o animal pode pensar, raciocinar ou falar... a questão é: Eles podem sofrer?” Jeremy Bentham
Nenhum comentário:
Postar um comentário