Cuidado com os fogos de Artifícios

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Cãotinho Literário


Exibicionista



Há mais de um ano, duas pessoas da Amigo Bicho se viam as voltas com ela.
Arredia, amedrontada. Quando começava a ficar mais dócil e segura, desaparecia. E voltava com as tetas arrastando no chão novamente. Impossível recolher... e os filhotes?
Dia 22.06.09 ela foi atropelada na Avenida Presidente Vargas, no impiedoso trânsito de nossa cidade, tentou por 3 vezes se levantar, e tombou sem vida...
 O texto abaixo é o relato de uma das pessoas que esteve muito próximo de salvar-lhe a vida, até mesmo um adotante esperava por ela, assim que fosse castrada, num belo sítio onde ela teria a chance de uma vida digna.
Só estavam esperando que ela mais uma vez, e pela última vez desmamasse.

                                                     Maria de Lourdes Secorun Inácio


Dia após dia me deparo com ela na rua. Em horários diferentes, às vezes de manhã, às vezes ao meio dia, outras pessoas a vêem á tarde, à noite, até de madrugada já foi vista.

Já a persegui, cansei de correr atrás e não consegui descobrir onde esconde seu tesouro. Inúmeras vezes saí de casa com alimentos para saciar sua fome e não a encontrei, outras tantas vezes a encontro sem ter nada para oferecer.

Maldita cadela exibicionista!

Desfila suas tetas caídas, quase arrastando no chão, virando os lixos a cata de resto de alimentos para saciar sua fome e produzir leite para seus filhotes. Provoca-nos todo dia com seu olhar cabisbaixo, sua destreza em revirar as lixeiras, seu andar apressado quando alguém se aproxima. Todos os dias exibe seu sofrimento e sua maternidade como a nos provocar e lembrar de nosso compromisso moral para com ela. Como a nos dizer: animais são mães amorosas, cuidadosas e protetoras.

Nossa animalidade fica expressa em seu comportamento protetor e desafiador, pois mesmo sendo perseguida ás vezes apedrejada, continua sua busca de provimentos para suas crias.

Muitos de nós olham para ela, mas não a vêem. Estamos acostumados a ver apenas os bichos bonitos (os pandas, golfinhos, gatinhos e cachorrinhos bem alimentados e saudáveis), ou o que é cientificamente interessante (insetos, cobaias de laboratórios), mas cadelas com tetas arrastando no chão, fuçando lixeiras, escondendo-se sorrateiramente para não ser apanhada? Isto fere nossos olhos, expõe nossas mazelas, atira-nos na cara a miséria, a fome, a sordidez do animal humano em relação ao animal não humano.

Em um panfleto ativista da Sociedade Vegetariana Brasileira consta o seguinte slogan: “Amor de mãe não tem igual”. Para o ser humano, talvez o mais puro, óbvio e inquestionável sentimento humano seja o amor de uma mãe pelo seu filho. Qualquer pessoa que tenha observado, prestado a mínima atenção a uma mãe sabe que seus filhotes serão prioridade em sua vida, exatamente como uma mãe humana. Não é preciso ser especialista nem ter comprovação científica, basta observar que o afeto na relação mãe-filho é igual em qualquer espécie.

Aí está a exibicionista todo dia a nos lembrar seu amor por seus filhotes.

Meu amigo a fotografou em momentos de desespero a procura de alimentos. A observação que ele fez ao final do e-mail foi: “p.s. não vá chorar, Maria”.

Eu chorei, eu choro e espero continuar chorando todas as vezes que me deparar com cenas como esta. Assim terei certeza de que não me acostumei com a miséria, a maldade, a falta de caridade, de solidariedade e de amor fraterno, cada vez que choro me lembro da minha responsabilidade para com esta mãe que procura desesperadamente por comida e protege de forma emocionante o paradeiro de seus filhos.

A cada vez que a vejo o impacto é maior, sinto que poderia ser eu em seu lugar tentando proteger e alimentar meus filhotes. E isto é doloroso, não é compaixão, é dor, é empatia, porque me ponho em seu lugar e sofro como ela deve estar sofrendo por seus filhos. Quero crer que seus filhos estão bem, assim o sacrifício que faz diariamente para alimentá-los está dando resultados. Mas ao mesmo tempo essa crença se esvai quando penso no frio, na chuva e na carência de alimentos que devem estar passando.

Oh maldita cadela que vem expor nossas mazelas!!!







Fotos: Alexandro Vaz

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"Não comer carne significa muito mais para mim que uma simples defesa do meu organismo; é um gesto simbólico da minha vontade de viver em harmonia com a natureza. O homem precisa de um novo tipo de relação com a natureza, uma relação que seja de integração em vez de domínio, uma relação de pertencer a ela em vez de possuí-la. Não comer carne simboliza respeito à vida universal." Pierre Weil
"A questão não é a de saber se o animal pode pensar, raciocinar ou falar... a questão é: Eles podem sofrer?” Jeremy Bentham
 
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